Jonathas de Andrade no MAR, Rio de Janeiro

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O Museu do Homem do Nordeste foi criado no Recife em 1979 a partir da junção dos acervos do Museu do Açúcar, do Museu de Antropologia e do Museu de Arte Popular de Permambuco. Sua concepção museológica inspira-se no conceito de museu regional do sociólogo e antropólogo Gilberto Freyre, e seu acervo possui documentos das formas de arquitetura local e objetos que representam as manifestações socio-culturais populares do Nordeste, como a cerâmica, o carnaval e os cultos religiosos sincréticos.

Apropriando-se do nome e da proposta da instituição pernambucana, Jonathas de Andrade, alagoano radicado no Recife, ocupa o primeiro andar do MAR até 22 de março, com uma versão particular, atualizada e política do Museu do Homem do Nordeste. A exposição reúne 18 obras suas e 74 peças da coleção Fundação Joaquim Nabuco (dos acervos do Centro de Estudos da História Brasileira e do Museu do Homem do Nordeste), da Fundação Gilberto Freyre e do Instituto Lula Cardoso Ayres.

O resultado é um conjunto narrativo composto por instalações, vídeos, fotografias, pinturas, objetos e documentos que tensionam estereótipos e ideias pré-concebidas vinculadas à região. O Museu do Homem do Nordeste no MAR possui metodologia de investigação e catalogação de dados própria, que ganha corpo na sala do museu, sendo ela mesma uma proposta museográfica diferente, que informa uma ampla pesquisa sobre contradições e perversidades históricas brasileiras, discutida desde um ponto de vista nordestino, artístico e contemporâneo.

O Museu do Homem do Nordeste é composto por trabalhos com processos longos, tal como Levante, filme que dá visibilidade ao problema dos carroceiros na capital pernambucana: Trabalhadores socialmente invisíveis, que ganham a vida fazendo fretes em carroças de cavalos há décadas, e vêm sendo banidos das vias públicas de Recife pela especulação imobiliária e os veículos motorizados, ficando sem alternativa de sustento. Procurando dar voz à situação, o artista promoveu com os carroceiros a 1a Corrida de Carroças no Centro da Cidade do Recife, um protesto barulhento e celebratório, sob o pretexto de ser o roteiro de Levante. Tal estratégia permitiu a Andrade desenrolar toda a burocracia pública para as devidas autorizações da filmagem e, consequentemente, do protesto.

Enquanto o filme explora esteticamente a ambiguidade típica de obras artísticas que lidam com a realidade, a documentação da Corrida é exposta com notícias da imprensa, declarações e registros do cotidiano dos carroceiros, dando a dimensão desse mundo próximo do qual constrange falar. Quando Jonathas produzia Levante, entre 2012 e 2013, o país viveu as Jornadas de Junho e viu a violenta repressão do Estado. Assim, relatos de acontecimentos dessa época se somam à documentação da Corrida, formando um panorama tenso das recentes convulsões sociais brasileiras.

Os trabalhos da mostra usam táticas de ação distintas. Nos Cartazes do Museu do Homem do Nordeste, o artista publicou anúncios em classificados de um jornal popular do Recife, convocando homens trabalhadores com qualidades como: morenos, mãos fortes, boa índole, entre 30-50 anos, descendentes de escravos, feios ou bonitos, para posarem para arquivo fotográfico. Os interessados deveriam posar do modo como se imaginavam representando a região, e então formariam o catálogo de modelos másculos pouco ortodoxos dos cartazes do Museu. Além destas peças, a obra se completa com seis cadernos de anotações do artista sobre o processo de encontro e realização da foto com o trabalhador, revelando como são compreendidos e reproduzidos estereótipos de masculinidade e erotismo.

O Museu do Homem do Nordeste é um projeto fascinante na sua virulenta discussão cultural, apresentando de modo algo desconfortável crueza material, histórica, e sensualidade bruta. Suas questões atravessam a arte, a casa e a rua, conseguindo ocupar a instituição de forma inteligente e crítica, desconstruindo mitos de um Brasil pós-moderno que finge ignorar a herança escravocrata que ainda paira em 2015.

*Publicado em Jornal O Globo, Segundo Caderno, 6-01-2015

Abrindo 2015 com Acid House Old School

Começamos o ano com um trabalho da artista espanhola Irene de Andrés, nascida em Ibiza.É uma instalação sobre comportamento, memória e ruínas da contemporaneidade que usa como objeto os escombros de um complexo de lazer noturno em Ibiza, abandonado nos anos 1970, que foi cenário de muitas raves clandestinas nos anos 80-90. Este é o projeto Festival Club, que consiste em uma videoinstalação junto a fotografías do Festival Club e documentação da imprensa da época sobre a cena noturna e o fechamento da casa. O filme tem a participação do DJ Alfredo Fiorito, um dos protagonistas da cena da ilha na décda de oitenta. O áudio foi gravado diretamente do local.
A obra foi contemplada como prêmio espanhol Generaciones 2013.

[vimeo width=”360″ height=”300″]http://vimeo.com/83246622[/vimeo]

Para acompanhar a obra de Irene, posto um link com um relato e fotos históricas do primeiro club massivo de Acid House de Londres, o Spectrum, que pulou de um público de 124 pessoas, na sua primeira noite de clubbing, para 2500 em apenas 5 semanas. Isso em 1988.  Hoje o house e o mundo das inovações e descobertas estéticas segue seu fluxo se alimentando do passado e reinventando uma idéia de futuro…

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Fotografia: Chris Abbot

E encerrando o pacote, segue um set de Balearic House + Acid, ao vivo do Club Spectrum, em 1988.

[youtube]https://www.youtube.com/watch?v=HYTWHPlN3u8[/youtube]

Estória da estética contemporânea.

Blog do projeto Travessias

A exposição Travessias – Arte Contemporânea na Maré, em seu terceiro ano de atividades, consolidou-se como um projeto de reflexão e discussão sobre a arte contemporânea e as transformações do espaço urbano na atualidade. Travessias 3 – Arte Contemporânea na Maré fica aberta ao público até o dia 16 de novembro no Galpão Bela Maré, localizado na Favela Nova Holanda, Zona Norte do Rio de Janeiro.

Com organização do artista plástico carioca Daniel Senise, a Travessias 3 reúne trabalhos inéditos e de acervo dos artistas Barrão, Dora Longo Bahia, Sandra Kogut, Mauro Restiffe, Jonathas de Andrade, Cao Guimarães, Luiz Zerbini e dos fotógrafos do Imagens do Povo, programa realizado pelo Observatório de Favelas.“ Partimos do nome do projeto, Travessias, que sugere integração, para convidar artistas cujas obras têm a possibilidade de criar relações com o local onde serão expostas.

Desde sua primeira edição o Travessias vem experimentando e aprimorando metodologias de aproximação e comunicação pelas artes visuais, em formatos de exposições diferentes uns dos outros. A sua proposta é única no panorama da arte do Brasil, sendo um laboratório estético, afetivo e sensorial aberto ao público mais diverso. Travessias acontece em uma zona de exclusão social e extrema violência urbana, e sua meta fundamental é construir olhares sensíveis e saberes múltiplos através de inciativas artísticas contemporâneas.

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Visão geral da exposição com projeção do núcleo de fotógrafos da Maré, Imagens do Povo. Imagem: Eduardo Magalhâes.

http://2014.travessias.org.br/blog/

9º Prêmio Internacional Arte Laguna

O Prêmio Arte Laguna é um concurso de arte que oferece aos artistas a oportunidade de integrarem o panorama artístico contemporâneo, através da seleção para uma exposição internacional que ocorrerá no Arsenale de Veneza em Março 2015. Há também a possibilidade de concorrer a prêmios de colaboração com fundações e galerias, e prêmios em dinheiro.

Data limite: 4 de Dezembro de 2014.
Taxa de inscrição: 50 euros.

As modalidades de inscrição e os termos do concurso estão disponíveis em:  http://www.premioartelaguna.it

Geraldo de Barros e a Fotografia

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Registros da pioneira exposição Fotoforma, de Geraldo de Barros, realizada em 1951 no MASP, com expografia de Lina Bo Bardi. Os documentos de época e quase 300 trabalhos do artista concreto são exibidos na mostra “Geraldo Barros e a Fotografia”, atualmente no IMS do Rio de Janeiro.

Ricardo Basbaum/ nbp-etc: escolher linhas de repetição

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A Casa de Cultura Laura Alvim recebe, sob a curadoria de Glória Ferreira, a individual de Ricardo Basbaum, um dos artistas contemporâneos brasileiros mais interessantes em atividade desde os anos 1980. Paulista, mudou-se adolescente para o Rio em 1977. Aqui começa a desenvolver sua obra experimental e multimídia fundamentada em discurso conceitual e crítico, em um percurso bastante independente do mercado de arte sem, contudo, estar a sua margem. Formado em biologia, estudou música e atua também como curador, teórico, educador, escritor, performer, etc. Sua prática interdisciplinar dialoga com artistas e etapas da história da arte no Brasil, como Lygia Clark, Hélio Oiticica e o Neoconcretismo, e se coloca como dispositivo que articula experiência sensorial, sociabilidade e linguagem. Embora seja um nome de destaque na cena artística internacional, sua pesquisa não está voltada para a lógica de produção e comercialização de objetos que, segundo ele, faz do artista um “funcionário do galerista”. Sua prática é comprometida mais com proposições participativas que envolvam o público do que com obras para serem consumidas.

A exposição reúne trabalhos novos ou inéditos no Rio de Janeiro, em um conjunto absolutamente coerente, resultante de processos de pesquisa iniciados no final dos anos 80. Na entrada o visitante se depara com um gradil e deve atravessar uma espécie de portal cujo formato é explorado há quase 20 anos no projeto NBP – Novas Bases para a Personalidade. Versos como: “canções de amor/exercício de memória/ forma específica” recebem o público e o conduzem ao salão que exibe diagramas rizomáticos cuja forma lembra corpos amebóides ocupados por muita vida e informação.

Aparentemente a mostra é hermética, mas o visitante deve relaxar e se dar um tempo para analisar cada diagrama que reúne dados e expressões estruturantes do pensamento e prática de Basbaum: “bioconceitualismo”, “conceitualismo sensorial”, “geleia adversa”, “culto ao hábito bólide” são algumas idéias estampadas nas paredes junto a dados históricos, fonemas, símbolos gráficos. No jardim de inverno com vista para a praia, esculturas-sofás são instaladas com fones que emitem a versão sonora de um outro diagrama onde, entre outras coisas, se lê o termo “suprasensorialsonemas” – o qual sugere uma definição para essa obra imersiva-musical.

A exposição tem uma seleção de vídeos que registram mais de uma década de experiências do projeto-processo “eu-você: coreografias, jogos e exercícios”, onde pessoas com uniformes, divididas nos grupos EU e VOCÊ, realizam ações coletivas coordenadas pelo artista. Alguns vídeos são divertidos, como o registro de uma ação feita em um programa de TV em 2003 no Rio Grande do Sul, e outra realizada em Shangai. Ainda que a experiência na galeria seja tranquila e silenciosa, na noite de abertura os cantores Lucila Tragtenberg e Licio Bruno realizaram experimentos de livre vocalização de textos, transmutando em ato e som a dinâmica de pensamento e trabalho do artista.

Para Ricardo Basbaum a obra de arte está enfraquecida do seu potencial transformador. Por isso sua prática incita a reflexão, a ação e a experiência estética como coisa mental e sensorial ao mesmo tempo, em propostas de difícil definição formal. Esta mostra é parada obrigatória para os que se interessam por pesquisas artísticas não-objetuais e todo o seu universo estético, histórico e intelectual. A obra-pensamento de Basbaum possui uma complexidade que não cabe neste espaço de jornal pois ela é êxtase e exercício artístico não-linear sem obviedades. Quem for à exposição (vi)verá.

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Fotos: Mario Grisollis

*Publicado em O Globo, Segundo Caderno, Outubro de 2014.

Links para apreciar Ricardo Basbaum:
http://bienal.org.br/post.php?i=551
http://www.scielo.br/img/revistas/ars/v6n11/08img02.jpg
http://www.nbp.pro.br/

Artista como Bandeirante, de Maria Thereza Alves

Vídeo de Maria Thereza Alves, artista paulista residente na Europa, criado para a exposição “Feito por Brasileiros”:

“O vídeo, Artista como Bandeirante, é uma resposta ao ensaio de Alexandre Allard, Novos Bandeirantes, publicado no catálogo na ocasião da exposição Feito por Brasileiros no Hospital Matarazzo en São Paulo, em que participo com o trabalho, “Eu e os Matarazzos” ”.
Maria Thereza Alves

Crítica da exposição Made By Brazilians no Complexo Matarazzo, SP

Intervenção de Arthur Lescher. Foto: Ding Musa
Intervenção de Arthur Lescher. Foto: Ding Musa

A arte moderna e a publicidade iniciam na segunda metade do Século 19 percursos paralelos, com artistas como Tolouse-Lautrec criando revolucionárias peças gráficas em cartazes publicitários. A partir dos anos 1950, artistas de vanguarda se apropriam de imagens, ângulos e slogans de propagandas para falar do mundo à sua volta e criticar a emergente sociedade de consumo. Bons exemplos são obras de Richard Hamilton, Rubens Gerchman, Richard Prince e Barbara Kruger. O tempo passou, e hoje a publicidade busca associar às invenções criativas ou frivolidades do mundo artístico contemporâneo, a qualidade e sofisticação de muitos produtos. Seguindo a lógica de produtividade desta época, o mecenato corporativo também vai, por sua vez, apostar no potencial da arte como estratégia para visibilizar empreendimentos, investindo em eventos culturais espetaculares onde a massa de pensamento estético e social que acompanha a arte contemporânea é anulada.

A exposição Made By… feito por brasileiros, no tombado complexo Hospitalar Matarazzo em São Paulo, espelha totalmente o quadro atual das relações entre arte, marketing e mecenato corporativo. Curada pelo francês residente no Rio Marc Pottier e pelo americano Simon Watson, a mostra foi encomendada pelo também francês Alexandre Allard, empresário que adquiriu o imóvel em 2011 junto com uma holding brasileira. Os planos são, assim que aprovadas alterações na lei de tombamento do conjunto arquitetônico de 1904, reformar tudo e instalar um centro de lazer com hotel de luxo, boutiques, gastronomia e espaço cultural. Este ano, aproveitando a época da Bienal de São Paulo, os proprietários decidiram realizar este megaevento cultural que custou quase R$ 13 milhões, sendo R$ 3,5 milhões captados através da Lei de Incentivo à Cultura.

Espetacular, Made By… alcançou um previsível sucesso de público, desagradou a crítica e mobilizou parte da comunidade de artistas paulistanos contra o empreendimento de luxo no hospital histórico que funcionou até 1993. A mostra, produzida em apenas quatro meses, reúne um conjunto inconsistente de obras boas e tantas outras banais, sem uma proposta curatorial clara. A seleção de artistas é internacional e seu título, que denota nacionalismo, se refere ao livro a ser editado por Pottier para uma série de publicações sobre a arte atual dos países do BRICS. Das mais de cem instalações artísticas espalhadas no complexo, muitas são inéditas e várias só foram adaptadas ao cenário. Há intervenções de som, luz, pintura, fumaça, vídeo, esculturas, lambe-lambes, grafite, murais indígenas estilizados, apresentações de capoeira e dança. Alguns artistas contemporâneos dialogam muito bem com a memória do lugar, como é o caso de Héctor Zamora, Frank Scurti, Daniel Senise, Jean-Luc Favéro, Cinthia Marcelle, Vik Muniz e Arthur Lescher. Trabalhos bons mas fora de contexto também chamam a atenção, como é o caso dos vídeos de Nick Cave, Tony Oursler e um filme de Zé do Caixão, entre outros.

Embora o conjunto artístico seja uma miscelânea irregular e de pouco sentido, Made By… oferece obras interessantes, e o lúgubre hospital abandonado é uma locação fascinante que vale a visita. Ainda assim, a escancarada natureza marketeira espanta. Em inúmeras obras lêem-se marcas de patrocinadores logo após o nome do artista, criando confusão com o título do trabalho. Pelo percurso, o visitante é bombardeado com merchandising de galerias, indústria de cimento, champagne, vodka, hotel, cosméticos, sapatos, roupas, banco…

A presença ostensiva das empresas patrocinadoras dá a tônica geral da exposição e a subordina a luxuosos delírios corporativos. Tudo isso, porém, condiz com a filosofia do Grupo Allard, que declara em seu site, no melhor estilo Maria Antonieta que ofereceu brioches ao povo, crer “firmemente que o mundo nunca precisou ou desejou, tanto como agora, os momentos sem preço, únicos e extraordinários que são a marca verdadeira do luxo”. Será?

Publicado em Jornal O Globo, 22/09/2014