Eduardo Berliner – Disfunção

Texto da exposição do artista na galeria Casa Triângulo, SP, em Setembro de 2010

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Eduardo Berliner – Disfunção

A palheta cromática destas pinturas engana com sua frieza. As situações retratadas em tons sóbrios trazem assuntos banais aparentemente pouco complexos, e confundem a interpretação do observador. Cadeiras empilhadas, o reverso de um banner, um copo vertido numa poça d`água, um carrinho de carga de cabeça para baixo. Escapando de firulas poéticas, estas e outras composições perturbam pela economia de elementos a qual, paradoxalmente, não colabora para uma clareza discursiva pois ergue um enigma a partir de presumida obviedade temática.

Uma das grandes questões da obra de arte contemporânea é a possibilidade dela não ficar confinada em si mesma, assimilando referências do mundo na sua própria natureza objetual, fazendo do entorno uma parte que integra o trabalho e lhe dá sentido. Desse modo, a imagem representada numa pintura, por exemplo, é o gatilho para uma reflexão que está para além do ícone. Por certo, esse procedimento intelectual está presente desde o Renascimento, mas o que observamos hoje é a chance da obra existir mesmo sem materialidade ou visualidade, podendo erijir-se só por meio da compreensão do seu contexto, exprimido ou não, no discurso do autor.

Ainda que não siga na direção de elaborar uma obra totalmente imaterial, as pinturas de Berliner carregam no dado conceitual e surpreendem com a reflexão sobre o humano espelhado nos artefatos e ambientes absurdos retratados, os quais, ascépticos em sua maioria, comprovam a existência do ser humano no mundo. No texto oculto sob a superfície de imagens, o artista, embora ácido, não faz crítica de costumes nem julgamento moral de valor, e muito menos tece análises sobre a cultura Pop ou a contemporaneidade que a engendra.

Entretanto, o grande mote de sua obra pictórica é a própria pintura, com sua fatura, o seu procedimento e as possibilidades visuais e narrativas a serem alcançadas nesse suporte tão tradicional – mas sempre aberto a novas investidas estilísticas. Nesse movimento, a palheta baixa, levemente soturna, remete a entardeceres nublados e gera um silêncio rumoroso. Por sua vez, os objetos representados com esse colorido opaco, mostram-se íntegros em sua composição mas de fato são disfuncionais em relação ao seu contexto: nada funciona em seu devido lugar.

É interessante ainda perceber que as situações sugerem uma temporalidade estática que, curiosamente, está no humano e não no objeto. É que o tempo do homem, apesar de dinâmico, é eterno prisioneiro do instante presente, sendo portanto estanque, tal como se mostram os elementos inanimados destas pinturas. Tal aspecto, aumenta ainda mais o absurdo temático das cenas e o volume do silêncio rumoroso que as envolve.

No que condiz ao processo de Berliner, esta nova série representa uma outra etapa em sua obra pictórica, anteriormente marcada pela fatura raivosa e pela justaposição de diversos elementos e técnicas. Um outro componente importante era a materialidade da tinta óleo, usada em grossas camadas. Neste momento, contudo, a superfície homogênea é mais valorizada, enquanto que áreas extensas de cor dão forma e volume ao objeto, dispensando o delineamento que fazia da tela um sketchbook. Este novo modo de aplicar a tinta, contudo, diz respeito tanto ao referencial imagético e temático da composição, quanto à vontade consciente de desafiar novas possibilidades na difícil prática de retornar à pintura para conseguir tocar no mundo.

Daniela Labra

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