“Made in Brasil” na Casa Daros, RJ

5.0.2
Antonio Dias, Jogo da Náusea. 1964, Foto Peter Schalchli

Made in Brasil, em inglês mesmo, é o título da exposição em cartaz na Casa Daros em Botafogo, com curadoria de Hans-Michael Herzog e Katrin Steffen – curadores-chefe da coleção Daros de arte latinoamericana cuja sede fica na Suíça e hoje tem no Rio de Janeiro o seu espaço de exposições. A coletiva reúne cerca de 60 obras pertencentes a esta coleção privada, criadas por sete “medalhões” da arte brasileira: Antonio Dias, Cildo Meireles, Ernesto Neto, José Damasceno, Miguel Rio Branco, Milton Machado, Vik Muniz e Waltercio Caldas. Esta é a primeira exposição dedicada unicamente a obras de arte brasileira do acervo e marca a comemoração de dois anos de abertura da instituição.

O preâmbulo da mostra, na sala de visitação gratuita antes da bilheteria, traz uma família de “Humanóides” de Ernesto Neto: esculturas macias e pesadas de tule, lycra, bolinhas de isopor e especiarias para serem vestidas. Esse início lúdico também lança de imediato uma das características mais clichê da arte brasileira contemporânea no meio internacional, que vem a ser a sensorialidade e a organicidade da forma. Isso não chega a ser um problema, mas é curioso que em uma mostra com nome em inglês, curada por estrangeiros numa instituição de suíços, seja tal trabalho que abra o percurso. Ao mesmo tempo, é compreensível que o espectador seja logo recebido por essas aconchegantes peças como um sinal de boas-vindas.

Após brincarmos nas esculturas de Neto, é uma surpresa adentrar a primeira grande galeria com uma lenta instalação multimídia de Miguel Rio Branco. A sala escura com música suave, sofás e belas projeções de rostos, paisagens áridas e detalhes de natureza fotografados pelo artista desmonta expectativas do que poderia se esperar de uma arte “Made in Brasil” caricata. No geral, a seleção de obras traz algumas peças por demais vistas, como as fotografias “Medusa Marinara” e “Sigmund” de Vik Muniz, de 1997, e outras que, embora conhecidas, merecem ser experienciadas inúmeras vezes. Assim é a instalação “Missão, Missões (como construir catedrais)” de Cildo Meireles, 1987 e alguns livros de artista de Waltercio Caldas como “Giacometti”, 1997 e o hipnótico “Vôo Noturno”, de 1967. Caldas, por sinal, responde por um dos melhores momentos ocupando um espaço generoso com 23 livros que discorrem, de modo peculiar e poético, questões da arte, estética, história e filosofia. Outro destaque são os raros trabalhos de Antonio Dias das décadas de 1960-70 que explicitam a importante contribuição política e conceitual do seu pensamento artístico para a arte brasileira.

Diante de peças notáveis, sendo algumas únicas, é inevitável sentir angústia ao pensarmos que elas pertencem a uma coleção estrangeira. Não fosse a Daros Collection resolver investir no país, talvez esta exposição nunca pudesse ser vista aqui. Após a aquisição de uma das principais compilações de arte concreta brasileira pelo Museu de Fine Arts de Huston em 2007, a sensação de desfalque histórico persiste quando vemos arte brasileira de excelência em posse de coleções internacionais. Contudo, é preciso fazer jus às boas condições em que vivem estas obras e reconhecer que aqui elas dificilmente teriam o mesmo tratamento digno em reservas técnicas públicas.

Para os curadores de “Made in Brasil”, as qualidades individuais dos artistas são muito singulares e não resultam em uma visão geral homogênea: “eles têm um perfil variado, e representam o gigantesco cenário da potência artística brasileira dos anos recentes”. Porém, o título é dúbio e pode ser interpretado ao contrário, como a redução da arte de diferentes artistas em um mesmo rótulo de identidade nacional. A curadoria consegue ser melhor que isso, e o título nacionalista afinal nada mais parece do que um apelo da Casa Daros para valorizar seu produto e atrair público. Ainda assim, ausência de mulheres com boas obras na coleção é uma falta importante, tal como a mineira Waleska Soares, que ainda não expôs na instituição. O problema está para além de uma discussão politicamente correta sobre gênero, pois diz respeito ao modo como se legitima o que é “Made in Brasil”, excluindo a produção delas. Portanto, esta exposição, com obras valiosas para a nossa historiografia da arte recente deve ser apreciada mais como uma coletiva com alguns meninos do Brasil do que um recorte amplo e problematizado sobre a “cara” da arte contemporânea brasileira.

Cildo Meireles, "Missão/Missões - Como construir catedrais" , 1987. foto Zoe Tempest
Cildo Meireles, “Missão/Missões – Como construir catedrais” , 1987. foto Zoe Tempest

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