Lei do Silêncio na cultura
O caso de censura da exposição Nan Goldin no Oi Futuro se inscreve numa seqüência de eventos semelhantes, todos eles expressão, a meu ver, da conjunção de numerosos fatores.Entre os mais óbvios está o despreparo de pessoas incumbidas de responsabilidades pesadas na gestão da arte. A arte contemporânea não costuma ser inerte, um bom mediador controla as reações e interações com o meio ambiente, por mais corrosivas que sejam, e administra a situação para o bem da arte.
Porém, obviamente num ataque de pânico, decidiu-se cancelar uma mostra internacional já acertada, desrespeitando um edital outorgado dentro das regras da própria empresa. O motivo na base de todas as explicações que virão ou não, é o medo. As explicações até agora são vagas, e revelam uma curiosidade: o centro Oi Futuro não é uma instituição dedicada a difusão da arte contemporânea, mas é um centro educativo, direcionado ao público infantil e adolescente.
Por que uma instituição cultural se apresenta como centro de arte e cultura contemporânea mas oficialmente é uma escola? A qual ainda nos explica de repente que não tem compromisso com a arte porque sua vocação é pedagógica… A polÃtica a pública de incentivo à arte e à cultura induz à sistemática instrumentalização da arte como meio educativo. Para poder se beneficiar das Leis de incentivo o projeto deve imperativamente ser “educativo”. A isso se adiciona uma concepção paternalista do papel do Estado, que “protege” o cidadão das más influências e de tudo que possa transgredir o sonho de mundo perfeito que nos vendem as grandes corporações.
Graças a essas “leis protetoras” (leia: proibições) deixamos de debater questões importantes, posto que a informação nem é divulgada. Ao mesmo tempo, o Estado delega a aplicação de recursos públicos destinados à cultura à s corporações, que tendo como objetivo valorizar sua imagem não tendem a apoiar posições que possam associar suas marcas a conteúdos polêmicos. E por fim, acredito que a sociedade sofre pressões por parte de grupos organizados que se dedicam a “denunciar” e exigir a proibição de manifestações que consideram inaceitáveis para sua idiossincrasia, pressionando empresas e instituições públicas,que passam a viver no pânico de serem tachados de “imorais” e perderem clientes, visitantes ou votos.
Parece que se pratica uma espécie de lei do silêncio cultura. Passamos pela censura dos humoristas durante a última campanha eleitoral, o fechamento da exposição da artista Marcia X, o triste episódio da prisão sumária dos pichadores da Bienal de São Paulo, a proibição recente de filmes e outras proibições de obras de arte, agora este evento.
As imagens que Nan Goldin apresenta não são encenações, são registros de uma realidade, de existências reais, portanto, com que direito proÃbe-se a manifestação dessa realidade? Por que terÃamos que escamotear essa faceta do mundo que compartilhamos? Por que não cola com a estética das novelas? Por que não condiz com a visão de mundo da zona sul? Novamente vejo o medo na origem dessa atitude: o medo de encarar o outro lado do shopping…
Este episódio é assustador também pelo provincianismo que revela, já que Nan Goldin é uma artista aclamada internacionalmente, e esse tipo de discussão em torno do seu trabalho já ocorreu em numerosas ocasiões, há décadas atrás…
Resta desejar que esta série de incoerências e erros seja parte de um processo de abertura e modernização da nossa sociedade, e que ainda tenhamos a ocasião de ver essa mostra que só enriqueceria a nossa paisagem cultural e contribuiria para nos colocar a altura da discussão contemporânea internacional.
Roberto Cabot, Nov. 2011
Não entendo porque alguém constrói um texto tão bem escrito como este, em apoio a Nan e não tenta “bancar” um evento que exponha “tudo” o que o Estado quer esconder, afinal não é proibido se expor tal arte, apenas algumas empresas não o fazem por medo, quanto aos particulares, por que não o fazem, parece-me que quem escreveu este texto pertence à queles que são contra a exposição da artista!
Oi Leandro, obrigada pelo comentário. Mas não entendi que tipo de evento é este que tente ¨bancar e expor tudo o que o estado quer esconder¨. Acho que o autor do texto não diz que é proibido expor tal arte, e sim justamente coloca como leis de incentivo e moralismos que vêm à reboque censuram a obra de uma artista bastante conhecida mundo afora. Um abraço!