Reticências Crítica de Arte

Revista online produzida por Ana Cecília Soares, no Ceará, que é mais uma iniciativa independente para estimular a reflexão e o preparo do olhar a questões da arte contemporânea. Reproduzo aqui uma entrevista com Anne Cauquelin publicada recentemente.  A leitura é rápida porém poderosa.

http://www.reticenciascritica.com/

[EntreVISTAS] Com Anne Cauquelin

Anne Cauquelin é Filósofa e crítica de arte, é uma das vozes referenciais do pensamento crítico a respeito da Arte Contemporânea. Autora de obras básicas e centrais, como “Teorias da Arte”, a professora emérita da Universidade de Picardie (França),  esteve em Fortaleza para uma série de palestras. Nessa entrevista ela fala sobre as questões chaves no meio da criação artística atual.

O que entender por Arte Contemporânea? Por que ela causa tanto incômodo?

A expressão “arte contemporânea” chocava no início, nos anos 90, porém hoje ela se tornou corrente, chegando a exercer mesmo o papel de rótulo: Arte Contemporânea indica ao público que se trata de “alguma coisa” de atual, de uma produção recente em relação ao gosto que marca nosso tempo. Assim, vemos em todos os lugares centros, museus e galerias de Arte Contemporânea, residências para artistas contemporâneos, entre outras vertentes. “Contemporâneo” não indica, portanto, um estilo de obra, um gênero, ou um conteúdo específico, “marcando” somente a produção da atualidade.
Desde o lançamento de seu livro “Arte Contemporânea: uma introdução” que mudanças ocorreram nesse cenário?

Desde 1992, data da primeira edição de “Arte contemporânea: uma introdução”, a cena da arte sofreu transformações, deslocamentos, as modalidades de funcionamento mudaram, e as atitudes do público também mudaram. Mas estruturalmente as coisas permaneceram as mesmas: é sempre o regime da comunicação com suas regras que dominam os processos de produção e de difusão da atividade artística; a novidade reside somente naquilo que – tendo-se desenvolvido largamente as tecnologias da comunicação – gira em torno de novos suportes, novas concepções de rede as quais vieram se juntar, transformar e algumas vezes substituir as antigas. Por isso, na décima edição deste pequeno livro, reescrevi o último capítulo, intitulado “A atualidade”.
A senhora já afirmou em algumas ocasiões que a internet tem um papel fundamental sobre a esfera da arte, e que a comunicação é o grande “organizador desorganizado” da Arte Contemporânea. Quais são os fatores que contribuíram para esta mudança e que leis regem este sistema?

Não é somente a internet, mas toda a rede, suas ramificações e sua organização, que influem na atividade artística (como sobre todas as outras atividades: industriais, comerciais e políticas). Duas modalidades comunicacionais agem assim: uma instrumental e a outra estrutural. Por um lado a internet oferece um suporte permanente de exposição sem que as obras sejam submetidas à alguma seleção (como nas galerias ou nos museus é corrente fazê-la) e podem ser difundidas de maneira quase ilimitada. Instrumento de convergência e de partilha, a internet desempenha vários papéis ao mesmo tempo: é um comunicador por excelência, um promotor internacional eficaz e ultrarrápido.
Observa-se, cada vez mais, a proliferação de sites e blogs dedicados à divulgação de produções artísticas. Seria a internet um espaço ideal para a arte?

Estruturalmente, o sistema espaço-temporal do cyber espaço (ubiquidade, multitemporalidade e simultaneidade) condiciona uma grande parte de nossas atividades cotidianas, e dentre elas a atividade artística, a qual renuncia então à noção de duração de uma obra, de unicidade e de autenticidade, assim como à própria noção de obra.
O artista, por exemplo, já não assume apenas o papel de produtor de obras de arte, adotando múltiplas funções no fomento de atividades de arte contemporânea, como crítico, membro de júri e curador. A que você atribui esta transformação?

Existe aqui uma fusão de papéis do crítico, do galerista, do curador. Tudo expondo, todo ator da rede (artística) é artista. A exposição é a noção forte, o conceito dominante. Trata-se de fusão de domínios, porque a questão não é mais a divisão entre escultura, música, dança, pintura ou literatura, nem entre arte maior e menor. Todos os ramos de atividade artística são considerados como atores nesse domínio. Assim, a noção de artista em sua integridade desapareceu do campo.
Nos escritos sobre crítica de Arte Contemporânea, nos deparamos, frequentemente, com afirmações acerca de sua crise. Tais posicionamentos não estariam sendo proferidos em virtude de sua menor aparição na imprensa de massas?

Não é apenas o crítico que não consegue ver tudo, mas ele também não pode dar conta de maneira satisfatória de produções cuja tecnicidade acha-se fora de sua competência, como as obras interativas, por exemplo: não há críticos dedicados a obras digitais. A única forma de crítica que ainda lhe será permitida, e que me parece interessante, será aquela que pretende esboçar as direções prováveis para as quais apontam as obras. Aquele tipo de atividade que torna preferível o ensaio estético do que a crítica publicada na imprensa. Aqui também as tecnologias da comunicação pressionam os atores da cena artística a deslocar o papel que exerce e a mudar de atividade.

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