O Brasil é um paÃs estranho, muito estranho… O caso de Geyse, a jovem atacada e achincalhada, e que agora finalmente foi expulsa do curso de turismo da UNIBAN, não seria tão bizarro se não fosse o Brasil um paÃs supostamente laico e dado a todo tipo de despudoramento por exemplo, durante a maior festa da carne do mundo, o Carnaval Nacional.
Tetas e bundas transbordam das capas de jornais e telejornais nos horários mais nobres durante o perÃodo momesco, mas durante os outros 360 dias do ano, o brasileiro é falso-moralista até o último fio de cabelo. Somos contra tudo que é pecaminoso e horrÃvel: contra o aborto, contra o uso de células-tronco (esse safou-se por pouco), contra o casamento gay, contra a adoção de crianças carentes por casais gays, contra a legalização da popularÃssima e rentável maconha, mas somos a favor das armas em mãos civis – que é prá todo o mundo poder matar o bandido na hora do assalto.
No Brasil tem prostituição infantil a rodo, enquanto que nossas meninas aprendem a rebolar de shortinho, se maquiar direitinho e a usar saltinhos, antes mesmo dos 6 anos de idade. Os meninos aprendem que homem não chora, que mulher é tudo cachorra e que um tapinha não dói. E assim a gravidez acontece, de pai desconhecido, antes dos 14 anos. Nas escolas de ensino podre e pedagogia anacrônica, ter aula de educação sexual e direitos humanos é luxo.
E no meio desse cenário estranho a Geyse, uma universitária de 20 anos, usando vestido sensual, é acusada de seduzir meia faculdade ao causar alvoroço nos garotos, seus colegas de classe média, que estavam doidos prá pegar “aquela vagabunda”. A imoral aluna foi expulsa desse templo de decoro que é a UNIBAN, instituição de ensino superior na caipira São Bernardo do Campo, São Paulo.
Conheço uma mulher, hoje com 70 anos, que quando jovem foi estuprada por dois colegas que lhe deram uma carona. Eles mesmo disseram que não a respeitariam por que, afinal, ela era muito extrovertida e brincalhona – e isso só podia ser sinal de que ela estava afim de dar.
Para a aluna da UNIBAN, parece que a lição ainda é a mesma: Em entrevista ao blog do jornalista Josias de Souza, o advogado da reitoria da Uniban, Décio Lencioni Machado, disse que a aluna “sempre gostou de provocar os meninos. O problema não era a roupa, mas a forma de se portar, de falar, de cruzar a perna, de caminhar”.
A mulher estuprada tornou-se anos depois uma intelectual, militante feminista pró-aborto. E à aluna atacada, chamada de puta por um coro de uns 500 jovens entre homens e mulheres, qual poderá ser o seu futuro?
Geyse, querida, a você só resta botar a boca no trombone vestindo a roupa que quiser. Micro-saia já!!!
Petição:
http://www.petitiononline.com/unitalib/petition.html
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EM São Paulo
SAIA
CHAMADA ABERTA
Ação de repúdio à animalice sexista, ou o estopim da barbárie.
http://www.youtube.com/watch?v=e0iZmImcuNg
No dia 13, pretendemos agrupar o maior número de mulheres e homens trajando
minissaias com uma pequena aparelhagem de som portátil e realizar ações
estéticas junto ao campus da Universidade dos Bandeirantes. Devido à existência
de catracas, pretendemos utilizar ou dos botecos da rua ou ligar aparelhagem
direto de um automóvel (alguém descola um gerador?)
Algumas canções já foram cotadas para a discotecagem, tais como “Geni e o
Zepelim” de Chico Buarque e a obra completa da MC Chuparina entre outras para
enaltecimento da delicadeza e da putaria.
POR FAVOR TRAGAM PANFLETOS, POSTERS, TEXTOS, SONS, MINISSAIAS, FOTOS, CORPOS E
ENERGIA.
SEXTA-FEIRA 13 em homenagem a todas as bruxas.
LOCAL DO CAMPUS:
Av. Dr. Rudge Ramos, 1.501 São Bernardo do Campo
http://maps.google.com/maps?f=q&source=s_q&hl=pt-BR&geocode=&q=Av.+Dr.+Rudge+Ram\
os,+1.501+S%C3%A3o+Bernardo+do+Campo&sll=37.0625,-95.677068&sspn=33.352165,79.01\
3672&ie=UTF8&hq=Av.+Dr.+Rudge+Ramos,+1.501+S%C3%A3o+Bernardo+do+Campo&hnear=&rad\
ius=15000&ll=-23.657104,-46.569414&spn=0.009414,0.01929&z=16
CONTARDO CALLIGARIS
A turba da Uniban
NA SEMANA passada, em São Bernardo, uma estudante de primeiro ano do curso noturno de turismo da Uniban (Universidade Bandeirante de São Paulo) foi para a faculdade pronta para encontrar seu namorado depois das aulas: estava de minivestido rosa, saltos altos, maquiagem -uniforme de balada.
O resultado foi que 700 alunos da Uniban saÃram das salas de aula e se aglomeraram numa turba: xingaram, tocaram, fotografaram e filmaram a moça. Com seus celulares ligados na mão, como tochas levantadas, eles pareciam uma ralé do século 16 querendo tocar fogo numa perigosa bruxa.
A história acabou com a jovem estudante trancada na sala de sua turma, com a multidão pressionando, por porta e janelas, pedindo explicitamente que ela fosse entregue para ser estuprada. Alguns colegas, funcionários e professores conseguiram proteger a moça até a chegada da PM, que a tirou da escola sob escolta, mas não pôde evitar que sua saÃda fosse acompanhada pelo coro dos boçais escandindo: “Pu-ta, pu-ta, pu-ta”.
Entre esses boçais, houve aqueles que explicaram o acontecido como um “justo” protesto contra a “inadequação” da roupa da colega. DifÃcil levá-los a sério, visto que uma boa metade deles saiu das salas de aula com seu chapéu cravado na cabeça.
Então, o que aconteceu? Para responder, demos uma volta pelos estádios de futebol ou pelas salas de estar das famÃlias na hora da transmissão de um jogo. Pois bem, nos estádios ou nas salas, todos (maiores ou menores) vocalizam sua opinião dos jogadores e da torcida do time adversário (assim como do árbitro, claro, sempre “vendido”) de duas maneiras fundamentais: “veados” e “filhos da puta”.
Esses insultos são invariavelmente escolhidos por serem, na opinião de ambas as torcidas, os que mais podem ferir os adversários. E o método da escolha é simples: a gente sempre acha que o pior insulto é o que mais nos ofenderia. Ou seja, “veados” e “filhos da puta” são os insultos que todos lançam porque são os que ninguém quer ouvir.
Cuidado: “veado”, nesse caso, não significa genericamente homossexual. Tanto assim que os ditos “veados”, por exemplo, são encorajados vivamente a pegar no sexo de quem os insulta ou a ficar de quatro para que possam ser “usados” por seus ofensores. “Veado”, nesse insulto, está mais para “bichinha”, “mulherzinha” ou, simplesmente, “mulher”.
Quanto a “filho da puta”, é óbvio que ninguém acredita que todas as mães da torcida adversa sejam profissionais do sexo. “Puta”, nesse caso (assim como no coro da Uniban), significa mulher licenciosa, mulher que poderia (pasme!) gostar de sexo.
Os membros das torcidas e os 700 da Uniban descobrem assim um terreno comum: é o ódio do feminino -não das mulheres como gênero, mas do feminino, ou seja, da ideia de que as mulheres tenham ou possam ter um desejo próprio.
O estupro é, para essas turbas, o grande remédio: punitivo e corretivo. Como assim? Simples: uma mulher se aventura a desejar? Ela tem a impudência de “querer”? Pois vamos lhe lembrar que sexo, para ela, deve permanecer um sofrimento imposto, uma violência sofrida -nunca uma iniciativa ou um prazer.
A violência e o desprezo aplicados coletivamente pelo grupo só servem para esconder a insuficiência de cada um, se ele tivesse que responder ao desejo e às expectativas de uma parceira, em vez de lhe impor uma transa forçada.
Espero que o Ministério Público persiga os membros da turba da Uniban que incitaram ao estupro. Espero que a jovem estudante encontre um advogado que a ajude a exigir da própria Uniban (incapaz de garantir a segurança de seus alunos) todos os danos morais aos quais ela tem direito. E espero que, com isso, a Uniban se interrogue com urgência sobre como agir contra a ignorância e a vulnerabilidade aos piores efeitos grupais de 700 de seus estudantes. Uma sugestão, só para começar: que tal uma sessão de “Zorba, o Grego”, com redação obrigatória no fim?
Agora, devo umas desculpas a todas as mulheres que militam ou militaram no feminismo. Ainda recentemente, pensei (e disse, numa entrevista) que, ao meu ver, o feminismo tinha chegado ao fim de sua tarefa histórica. Em particular, eu acreditava que, depois de 40 anos de luta feminista, ao menos um objetivo tivesse sido atingido: o reconhecimento pelos homens de que as mulheres (também) desejam. Pois é, os fatos provam que eu estava errado.
ccalligari@uol.com.br
http://pt.wikipedia.org/wiki/Mary_Quant