Mais do mesmo, só que do outro lado: com a palavra, os curadores

Este assunto está enchendo o saco, mas não poderia deixar de publicar a resposta dos curadores para essa comoção em torno da garota Caroline. Vamos lá:

Da Folha de São Paulo

Caso Caroline: algumas questões não consideradas
IVO MESQUITA
ANA PAULA COHEN
especial para a Folha de S.Paulo

Com o intuito de abrir perspectivas no debate, sensacionalista e
passional, criado pela imprensa em relação à 28ª Bienal de São Paulo
e à prisão de Caroline Pivetta da Motta, 24 anos, nós, curadores do
evento, gostaríamos de trazer algumas considerações e perguntas que
nos parecem pertinentes à questão.

Primeiramente, não podemos esquecer que, ao contrário da operação
noturna e silenciosa peculiar aos pichadores, o acontecimento na
Bienal está longe de poder ser chamado de estético e pacífico: 40
jovens invadem o pavilhão da Bienal como um arrastão, derrubando
tudo, agredindo pessoas fisicamente, com o objetivo de, segundo a
convocatória pela internet de seu líder Rafael Augustaitz, pichar o
segundo e o terceiro andar, destruindo todas as obras.

Foi mais um gesto peculiar deste grupo destrutivo, que, desde as
invasões do Centro Universitário Belas Artes e da galeria Choque
Cultural, usa a pichação como meio para apagar e danificar o
trabalho dos outros artistas.

Caroline e outros dois jovens picham as paredes do prédio da Bienal,
projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer

Será que o meio artístico não se dá conta do autoritarismo de tal
gesto, do que ele implica de censura ao outro? Não é preocupante
perceber que a tática de um ex-estudante de artes é fazer do
apagamento de outros artistas um fenômeno midiático? Sim, pois a
imprensa e os canais de internet foram avisados três horas antes do
ataque à Bienal e estavam postados esperando pelo espetáculo!

Não foi, portanto, um preenchimento do vazio ou uma resposta “em
vivo contato”, o que da parte da curadoria nunca supôs o uso de
violência.

Não se tratou tampouco de colar stickers, fazer barcos de papel, ou
tocar música no segundo andar do pavilhão –como de fato ocorreu no
decorrer da mostra– mas de vandalismo agressivo e autoritário.

Por outro lado, como curadores e cidadãos republicanos, estamos de
acordo de que a punição para Caroline é pesada e inadequada.
Lamentamos por ela e pela sua instrumentalização por certa mídia.

Mentor de invasões

Perguntamo-nos onde estaria o mentor intelectual de tal ataque, ex-
aluno do Centro Universitário Belas Artes, que expõe nome e
sobrenome como autor das três invasões, e que saiu do pavilhão da
Bienal prometendo continuar pichando outros museus de São Paulo?

No infeliz caso de Caroline, devemos, entretanto, reconhecer que sua
condição atual é resultado de mais uma filigrana jurídica, advinda
de uma interpretação estrita da lei.

Mas não é essa mesma uma característica da Justiça no Brasil, a
desigualdade na sua aplicação?

Não são filigranas jurídicas que mantêm criminosos condenados
vivendo em liberdade sem haver cumprido suas penas? Então, ao
discutirmos instituição no Brasil, parece que o problema não é
apenas das instituições culturais ou da Bienal de São Paulo.

Percebe-se um esvaziamento também da justiça, da educação, da saúde.
Ou ainda das políticas públicas para a habitação, o que faz com que
Caroline fique detida por falta de comprovante de endereço.
Contraditoriamente, o Estado não lhe assegurou uma moradia até
agora, conforme se depreende da lei que a mantém na cadeia!

Se Caroline possuísse um comprovante de residência, ainda haveria a
questão de quem a acusa do crime que ela responderia em liberdade. O
parque Ibirapuera é uma área de preservação ambiental e o Pavilhão
da Bienal é um prédio tombado e monumento histórico estadual. Foi
contra eles que o grupo investiu e do qual ela se tornou o bode
expiatório perante a lei.

Tombamento

Desde 2003, é muito difícil para qualquer curadoria lidar com as
novas leis de tombamento do edifício, pois elas têm impedido a
realização de diversos projetos de artistas e obrigado todas as
partes a um processo de amplas e longas negociações. Há uma lei e
transgredi-la implica risco. Talvez também fosse oportuna uma
discussão sobre essa legislação, que acabará por fazer do pavilhão
um espaço inadequado ao caráter experimental e de laboratório que
supõe uma mostra que quer dar conta das práticas artísticas
contemporâneas, pois ela é muito pouco flexível para novos usos do
prédio.

Se o interesse da 28ª Bienal fosse ser um espetáculo midiático e
criar um discurso populista apaziguador e demagógico –o que,
acreditamos, seria pouco efetivo e em nada transformador da situação
em que vivemos–, certamente poderíamos ter nos utilizado do
ocorrido no dia 26 de outubro para deslocar todo o debate proposto
pelo projeto original da 28ª Bienal, agora realizado, para discutir
a relação entre grafite, pichação e arte; arte contemporânea,
educação e inclusão; cultura urbana e a questão centro-periferia em
São Paulo, entre outros tópicos.

Poderíamos ter convidado os invasores a virem participar do debate,
a pichar as paredes da bienal, entre outras ações populistas e
instrumentalizadoras. Nossa opção foi e continua sendo a de não
fazer uso do ocorrido, e muito menos da injusta prisão de Caroline,
para promoção pessoal ou como plataforma política, oportunista e
demagógica.

Parece-nos ainda interessante observar que enquanto o meio
artístico, instigado por uma falsa polêmica, procura culpar
o “vazio”, a Fundação Bienal ou a curadoria da 28ª Bienal de São
Paulo pela prisão de Caroline, os próprios integrantes de seu grupo
foram direto ao assunto.

Picharam, no último dia 5 de dezembro, a casa de um ex-prefeito,
acusado de inúmeros delitos e que responde aos processos em
liberdade, a seguinte frase: “Cadeia é só para pobre… Liberdade
Carol. Susto’s”.

Ivo Mesquita e Ana Paula Cohen foram os curadores da 28ª Bienal de
São Paulo

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